sábado, 28 de novembro de 2020

Uma brecha para a compreensão: entre o "ser" e o "não ser" da Filosofia *

A pergunta norteadora desse texto diz respeito à compreensão sobre o que é a Filosofia. Isso inclui, naturalmente, a compreensão do que a Filosofia não é. 

A simplicidade de qualquer questão muitas vezes esconde uma complexidade inimaginável para quem se debruça sobre ela pela primeira vez. Ao refletir a respeito, é fácil entender que a filosofia pode ser definida de tantas formas diferentes quantas forem as pessoas a tentar defini-la, conforme afirmam Santos e Aidar (2018). Por outro lado, pode-se questionar a necessidade de uma definição única e precisa (ou "definitiva') da Filosofia. 

(Dadas as características da linguagem humana, qualquer definição corre o risco de ser excessivamente limitante e cerceadora e, portanto, pouco útil para a compreensão do objeto que tenta definir. Em muitos casos, pode ser mais útil e relevante desenvolver uma compreensão do que algo é (e, portanto, também do que não é) do que restringi-lo em uma definição, ainda que essa compreensão por vezes pareça excessivamente fluida. Essa "fluidez da compreensão" permite que esta se adapte ao processo de amadurecimento da própria compreensão acerca daquilo que se define.)

No caso da Filosofia, isso vai ao encontro da afirmação dos mesmos autores (SANTOS e AIDAR, 2018, p. 13) de que "não há, por parte da Filosofia, a preocupação em construir respostas prontas; ela não é uma doutrina". Assim, uma compreensão passível de amadurecimento será, em si, mais "filosófica" do que uma definição fixa. O título atribuído a este texto é, portanto, um alusão a essa compreensão que, idealmente, passa por uma brecha entre o "ser"e o "não ser" da Filosofia.

Antes de prosseguir, cabe ressaltar que a própria prática de buscar compreender o que a Filosofia é, baseando-se na reflexão a respeito do tema, pode se constituir como uma atividade filosófica. A presente reflexão é, portanto, ao mesmo tempo, uma atividade teórica e prática.

Aqui, pretendo discorrer brevemente sobre três aspectos da Filosofia que podem servir como ponto de partida para a compreensão da natureza da Filosofia. Estes aspectos, apontados por Reale e Antiseri (2003, apud SANTOS e AIDAR, 2018) são: o conteúdo da Filosofia, o método da Filosofia e o objetivo da Filosofia. A breve discussão desses aspectos, a seguir, tem como base o texto de santos e Aidar (2018).

A Filosofia não se limita a um conteúdo delimitado e específico. Sua busca é por uma compreensão  a realidade completa, ou à "totalidade das coisas". Nenhum fato ou assunto está fora do alcance da Filosofia e, ao buscar uma compreensão completa, a Filosofia busca examinar a realidade em diferentes escalas, sem perder de vista a totalidade. A isso denominamos "visão holística".

O "fazer" da Filosofia está baseado no uso da razão, que deve ser "logicamente honesto" (ou, melhor dizendo, "intelectualmente honesto"), e deve, portanto, seguir a lógica em busca das causas e razões da realidade que busca compreender. A Filosofia, portanto, não se parte e nem faz uso de dogmas ou mitos em sua busca por compreensão da realidade. Esta é a diferença entre a compreensão filosófica e as explicações religiosas da realidade. A Filosofia, portanto, além de não ser uma doutrina, tampouco tem caráter religioso.

Por fim, o objetivo da Filosofia é conhecer e contemplar a verdade, buscar o saber como fim em si mesmo. Não há objetivo além disso, não há a tentativa de estabelecer ou impor doutrinas ou teorias e tampouco de resolver problemas práticos. Isso não significa que a Filosofia não se presta à solução de questões práticas, mas sim que este não é seu objetivo último.

Todos esses aspectos indicam que a Filosofia busca, acima de tudo, a verdade, uma compreensão completa da realidade. Essa busca, expressa dessa forma, implica também uma honestidade intelectual absoluta e também desapego ao ego ou orgulho, já que uma proposição só pode ser descartada através da lógica e sua validade independe da identidade da pessoas que apresentou a proposição.

Tendo em vista esses três aspectos, podemos concluir que a Filosofia não se presta a ser dividida em partes. Ela é a "mãe" (no sentido de ser o ponto de partida, a origem) de todas as áreas do conhecimento humano e, ao mesmo tempo, abrange o conhecimento de todas elas. A Filosofia vai além das áreas do conhecimento humano e pode também dedicar-se à crítica dessas mesmas áreas do conhecimento.
 

Referências

REALE, G.; ANTISERI, D.. História da Filosofia: filosofia pagã antiga. v.1. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

SANTOS, S.G.; AIDAR, A.M. O espanto filosófico. Cap. 1, in: Aidar, A.M. e Santos, S.G. Fundamentos de Filosofia e Sociologia. Universidade de Uberaba (Uniube) 2018.


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* Uma versão anterior deste texto foi apresentado como trabalho para a disciplina  "Fundamentos de Filosofia e Sociologia" do Curso de Ciência Política da Universidade de Uberaba (UNIUBE)

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